Viver em arco
Se adormecesse, o mundo sonharia comigo
punhal ocultado na voz esvaziando a cidade
sangue desnovelado em febres báquicas
palavras que fervem ao rés do gelo
a língua tumultuosa entre os nós estudada até ao silêncio
o peito oferendando a blasfema hecatombe ao deus interior
paga extrema e infelizmente tardia de quem se desmorona
no romance infiltrado no coração da rota da seda
emboscaram-me a mão com todos os cercos
com a esperança de pôr termo à minha jornada
dias episódios-piloto de séries abortadas
cerzidos pelo que sobrou da donzela das pontas soltas
Xerazade, a sua saliva mágica, a ficção que nos levou a prolongamento
para perder mais uma taça
eis-me aqui, epicentro de todas as caçadas
carcaça clandestina, outrora procurando refúgio nas coisas miúdas trasladadas como gigantes pelos holofotes
possuído com o espírito alto da fogueira —
só existo no interstícios das palavras
sou as sobras de uma estrela sonhando com a singularidade
coisas descomunais regateadas nas traseiras
de uma nota de rodapé, ulterior comedouro
de quem ignorará a genealogia da fome.
Vive em arco como um projéctil
nasce, vive, morre
e destrói o rastro
para que os homens não imitem
os caminhos em direcção à morte.
…
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