Servo em combustão

roberto gamito
1 min readApr 15, 2018

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Eu, servo em combustão, derretendo o açaime, após duas mortes iniciáticas, uma por afogamento, como a primeira morte de Jesus, e a outra, a tentar rasurar a golpes de gadanha um nome antigo, ordeno-te que apareças se não me quiseres ver dinamitar o universo. Podemos conversar todavia na minha língua, mas primeiro desimpeçam-me o caminho, eu vim todo fúrias com a explosão primordial nas mãos, a minha intenção é fazer com que a luz coma finalmente o meu pó, vou — perdoa-me a empáfia — do nada ou infinito num ápice, guilhotino demónios com sílabas avulsas, sorrio imperturbavelmente face a escoadas piroclásticas. Tens de vir tu, Outro não me interessa, o mundo está impreparado para me fazer frente. Procuremos então mas sem muita calma terrenos inóspitos, não marcados a mijo ainda pelas fórmulas entediantes dos homens, religião ou ciência ou filosofia, aí onde costumas ter vantagens, rumemos antes em direcção a sítios em chamas nos quais nos poderemos bater de igual para igual sem narrativas que visem o entorpecimento. O teu olhar denuncia-te: abeiras-te da tua morte em coreografias furtivas como quem nunca esqueceu que um golpe em falso ditará o teu destino. Sabes, já deves ter lido por aí, que nem os deuses estão imunes ao Destino — assim maiúsculo para te acagaçar. A minha obstinação fode-te entusiasticamente o juízo. A culpa foi daquela noite em que entrei na ala da criogenia e matei os amores congelados à marretada: eis o episódio que actuou como catalisador na metamorfose.

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roberto gamito
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Written by roberto gamito

A tensão da narrativa aumentou…e o narrador morreu electrocutado. @robertogamito

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