Poema de amor

Não vás se o nome não te fizer tremer convulsivamente. Se for incapaz de provocar um desfasamento entre o rosto e a máscara. Vou tentar clarificar, abrir clareiras nas florestas de trevas a golpes de sílabas sem recorrer a muitos solavancos. Provavelmente não ignoro que os amores antigos funcionam como atrito e impedem que o coração progrida; os passos, anteriormente furiosos, são hoje infinitesimais, calculados como numa experiência científica. Assim não irás longe. É custoso ouvir isto, mas não há forma suave de o declarar. Tem de actuar em ti como um terramoto, sequestrar-te num ápice desse vazio em flor. Há noites, sei-o bem, que a esperança é uma coisa áspera cheia de borbotos com ânsias de simular um bico de abutre, noites oblíquas onde damos por nós em becos de miragens a criar alianças com matilhas de facas. Dá-te, sei-o bem, vontade de transformar o corpo num templo dedicado a esse sismo fundador. O epicentro, o coração. Em redor dele, as isossistas. Linhas traçadas a sangue, a fim de estancar definitivamente a dúvida de que são imaginárias, que delimitam sim as zonas de igual intensidade. Mãos aproximam-se do sexo através do abalo. Olhos dos lábios. Sonhos dos pesadelos. Palavras do silêncio. Da minha garganta não jorram como outrora pássaros funéreos. Jorram antes crias de cachalotes que me escorrem dos lábios até ao chão. Crescem desmesuradamente enquanto caem. Pequenos poemas grandes. Inaudíveis para criaturas da superfície. Aqueles que enfrentaram olhos nos olhos as vastas palavras compactas como Deus, Amor e Morte saberão.
Mas vai, mesmo que o Amor seja hoje tão-somente outro nome para Queda. Vai. Para trás não existe nada, nem Infernos, nem Sodomas nem Penélopes, vai. Interrompe de uma vez por todas o mito de Sísifo. Vai, deixa que o veneno de um nome actue nos teus lábios até te paralisar. Vai veloz; deixa cair as máscaras, a armadura, vai como se fosses para um cadafalso. A Morte acena-te com o silvo da gadanha. Sorri. Comunica-lhe sussurrantemente: perdeste, minha cabra. Vai.