Pobre Bárbaro
Há milhares de anos que os anjos me vandalizam a cabeça, doutor, ajude-me, não quero tornar-me civilizado. Tenha calma, Senhor Animal, responde o doutor, detalhe-me o seu abismo e, caso coopere, hei-de povoá-lo de demónios. Doutor, a minha prosa já não alberga nenhuma Beatriz, o verso nenhuma vida. Já não sei o que fazer com as palavras. O doutor arregaça a pele até aos ossos e desdobra o eu numa casa de espelhos:
Quem são vocês?
Pensadores sem destino
necrófagos de citações
sarcófagos linguarudos
antropófagos engravatados
filhos do algoritmo e do eclipse
infinitamente coxos e maravilhosamente cegos
ciclopes enobrecidos pelos holofotes
logros convencionais ou inéditos
deturpados por notas de rodapé
prostitutas fodidas numa cama de ais
cronistas de espermatozoides desesperados
público deste teatro da testosterona
maestros destas construções eufónicas
pedreiros destes monumentos cacafónicos
leitores ávidos do catálogo de inquietações
deixem o pobre bárbaro em paz.
…
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