o amor é regurgitação
I
é pelo lado canhoto
pela furibunda mão esquerda
que exprimimos o desnorte
o ignoto que nos há-de liquidar as goelas
com o ácido das cantigas pretéritas e apetecidas.
o amor é regurgitação, é fazer voltar à boca
as cinzas
qual fénix farta do vaivém da ressurreição
enganámo-nos durante demasiado tempo
contámos com o universo no cu da galinha
profetizámos a chegada de novos deuses
quando as latrinas lambidas pelo silêncio rebentaram
o canivete das nossas juras é incapaz de trespassar a casca do carvalho
e foi preciso bater de frente com a lâmina para decorar a definição de mortalidade
Deus, Morte
são dois vocábulos sem pai nem mãe
um dia de bolso, legível
que nos acompanhe com as deixas do Sancho Pança
até ao eclipse dos moinhos e dos gigantes.
II
a saliva da fera desdentada e reformada
outrora gato pescador colonizando as zonas húmidas
a órbita representada a tracejado, a costura cósmica
o planeta às voltas como um perdido, a extinção
a sinfonia dirigida pelo peido-mestre —
que nos dá uma ideia musical do fim
a inteligência integra a comitiva do rescaldo
fatigada, chora fazendo as vezes da carpideira analfabeta
o empresário falecido paga a Caronte a noventa dias — ou tenta
mas o barqueiro não vai em cantigas
calejado que está em fados e fadistas engravatados
quanto a mim, não faço ideia
condeno-me por aquilo que pisei
insectos, ideias, promessas hoje quebradas
cadáveres de deuses franzinos
mosto esquisito desta jornada de decapitados.
não foi a sorte que me concedeu a altura
mas a vontade de não me misturar com presas miúdas
no tanque onde o quotidiano nos confunde com uvas e nos espezinha.
III
mais um corpo, que para posar precisa de aconchegar a verga
e diluí-la numa área maior, o vento da animalidade passou,
é tempo de desenfunar as calças, está quase na hora de sermos
palhaços à procura da luz
nada de perguntas, nada de respostas, só choradinhos
e pirotecnia de virtudes e acólitos do puritanismo a comer
o cu aos humoristas, e quanto ao mais marchar marchar
contra os barões assinalados com o X.
tesouro ou alvo? está quase na hora de inaugurarmos
mais um auto-de-fé baptismal de onde sairão gritos e nenhum
mártir, doravante sairemos renovados do leito da censura
como Cristos, as nossas ideias serão servidas em bandejas
como a cabeça de João Baptista foi em quadros. está quase
na hora de cagarmos novamente em cima da ideia de Homem.
…
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