Não caias na armadilha do eu

roberto gamito
2 min readMar 14, 2022
Poema — Não caias na armadilha do eu
Photo by Jen Theodore on Unsplash

no templo do deus desconhecido
estavam à minha espera
os dois corvos de Ódin

na casa de espelhos
onde o ego se tornou medúsico
o chão faltar-me-á debaixo dos pés

fechado com a legião de fantasmas
dotado de uma mão amanhã romba
Ulisses no massacre dos pretendentes
nem o meu nome sairá ileso
doravante estarei impedido de o habitar

a cabeça esgotada
onde ontem havia língua
tornada bomba-relógio
ofício cantante dinamitado

dinamitero ou fulgoratori
bárbaro nervoso ou cúmplice da inércia
não caias na armadilha do eu

de início, não lhe dei nome
era uma ave implume
vinda à tona do silêncio
minúsculos aracnídeos luminosos
escapando ao buraco negro

acampámos no extremo do possível
para uma desforra mas

o filósofo decepcionou-me
verticalidade postiça
homem assustadiço ou prudente
o santo mais amargo
parido pela dúvida
o público que o ama
antes do esquecimento

não caias na armadilha do eu

no entanto, perseguido pelo sacrifício
o homem arrasta a história como um fardo
a memória amputada pela trafulhice
o pensamento atolado em mentiras
ao redor dos quais a turba de Xerazades
de pescoço protegido encavalitam narrativas

grande parte da sombra
ainda por joeirar —
a noite agiganta-se.

o animal conhece o cólera e canta-a
não caias na armadilha do eu

estou escancarado
qual templo de uma religião extinta
não há um homem intacto neste século

depois de Shiki

as letras do verso
vermelhas —
a mão andou pela História.


Sigam-me: twitter |Instagram | Facebook | Túnel de Vento (Podcast)

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

roberto gamito
roberto gamito

Written by roberto gamito

A tensão da narrativa aumentou…e o narrador morreu electrocutado. @robertogamito

No responses yet

Write a response