Não caias na armadilha do eu
no templo do deus desconhecido
estavam à minha espera
os dois corvos de Ódin
na casa de espelhos
onde o ego se tornou medúsico
o chão faltar-me-á debaixo dos pés
fechado com a legião de fantasmas
dotado de uma mão amanhã romba
Ulisses no massacre dos pretendentes
nem o meu nome sairá ileso
doravante estarei impedido de o habitar
a cabeça esgotada
onde ontem havia língua
tornada bomba-relógio
ofício cantante dinamitado
dinamitero ou fulgoratori
bárbaro nervoso ou cúmplice da inércia
não caias na armadilha do eu
de início, não lhe dei nome
era uma ave implume
vinda à tona do silêncio
minúsculos aracnídeos luminosos
escapando ao buraco negro
acampámos no extremo do possível
para uma desforra mas
o filósofo decepcionou-me
verticalidade postiça
homem assustadiço ou prudente
o santo mais amargo
parido pela dúvida
o público que o ama
antes do esquecimento
não caias na armadilha do eu
no entanto, perseguido pelo sacrifício
o homem arrasta a história como um fardo
a memória amputada pela trafulhice
o pensamento atolado em mentiras
ao redor dos quais a turba de Xerazades
de pescoço protegido encavalitam narrativas
grande parte da sombra
ainda por joeirar —
a noite agiganta-se.
o animal conhece o cólera e canta-a
não caias na armadilha do eu
estou escancarado
qual templo de uma religião extinta
não há um homem intacto neste século
depois de Shiki
as letras do verso
vermelhas —
a mão andou pela História.
…
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