Mas veremos o que o amanhã nos trará

Talvez isto não seja um poema dado a grandes voos
ou então talvez seja
na melhor das hipóteses um poema
de como escrever um poema
que se trata a si mesmo clandestinamente
despojado de pontes
ou a haver serão pontes freudianas para o ameaçadoramente estranho.
Ou então, refeitas as medições, muito menos que isso. Tão-só um rascunho
envergonhado desse epíteto, e, de uma penada, perceberemos o quão humano é um poema sobre nada.
Anunciar que todos os poemas
são um modo intensamente labiríntico
de encontrar caminhos ingenuamente inéditos
até um nome gigante, género o de uma amada, de um Deus, algo assim a dar para o maiúsculo
está, pois, fora de questão.
O amor é, segundo as estatísticas mais recentes, uma palavra em queda, desbotada, com pouca saída. Uma palavra obsoleta que visitamos como quem visita ruínas. Só de passagem, sem intenções de lá ficar.
Isto, que começámos por admitir que não era um poema
e às tantas tivemos que abandonar essa certeza
pode até ser um poema sobre nada
o que, bem vistas as coisas, perdoem-me o modo palavroso
como desço os degraus do poema, já seria bem mais
do que um poeta actual é capaz. Frisemos, ainda, a falsidade
da palavra nada. Nela repousam campos adormecidos, afiança a física teórica.
Depois da achega científica armada ao pingarelho
fica feia a saída (cansei-me de roubar aos gigantes, esta deixa sequestrei-a de uma novela) para algo mais prosaico.
Fiquemo-nos, portanto, pela prosa e com uma pergunta. Quantos mais Laios precisaremos de matar para alcançar a metamorfose última?
Não sei.
Mas veremos o que o amanhã nos trará.