Exposição de mãos atarefadas
Carapaus de corrida num simulacro de ascese
cobras e lagartos sobre o cadáver de Deus
transformam a violência no seu mel
exigem o açúcar, recusam-se ao amargo
pequenas crianças perpétuas bacorejando diante do espelho
tanatólogo alfinetando as peles arcaicas
jiboiando nos nenúfares do passado
um corredor onde alguém expôs mãos atarefadas
o homem dominado pelas próprias canções
medem-se com a bitola da inveja qual cientista
desejoso de ver resultados pressionado pelo chicote subtil
janela desenhada na mónada pelo cálculo
afónicos pretensiosos sonham igualar-se a goelas canoras
cumes nunca atingidos, mares nunca vindimados
urge brincar com o fogo, fazer a cama ao precipício
ridicularizar as coreografias de antanho
com dinamite nos dentes, para que, como humorista anarquista, a piada despenteie os pilares do sistema
melhor dizendo, que a história da poesia seja a história do homem
colonizado por pássaros oriundos do ninho-ideário
uma cidade levitante fiando-se numa magia qualquer
e se tudo é política não digas mais nada.
A queda à espreita, emboscada atrás do canto.
Testemunhamos o abismo como um rei sumério
uma tradução século a século actualizada
e a isso designamos arte, empanturramos o coração
veterano e herdeiro dos movimentos peristálticos
os deuses do Mercado nutrem-se dos gritos das crianças
do sangue dos adultos postiços.
Cortámos, enfarpelados de rei, o carvalho venerado
enfurecemos a deusa das colheitas
sobram-nos as cascas da árvore do conhecimento
os ramos como lembrança da chuva ácida punitiva
apartados para sempre das flores e dos frutos do conhecimento.
Concluído o círculo,
inicia-se uma nova volta
concluis que não viste nada
habituado que estás às imagens.
Ver vem antes das palavras
como plasmou Berger
ó crianças barbudas.
As palavras chegam sempre atrasadas
assim como a humanidade.
A poesia não morreu
é sim a mais impontual das artes.
Não confundir.
…
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