Espectáculo Triste
Espicaçado pelo impossível
farto de me armar em sábio
cansado de ser a única flor do cume
desci ao sopé à procura da fome.
Lego ao pó o manto de ermitão.
Cifrei-me num urso esfaimado
acabado de sair do casulo da hibernação
os leões teóricos fogem por instinto
reconhecem o antigo rei da selva
o pus das erupções pretéritas
o rastilho cochichando com os fantasmas
recordando os detalhes do cerco.
Voltei a encontrar o espectáculo triste das vidas abortadas
aplaudi como pude todas as ruínas.
Por essa altura não era senão uma laranja espremida
sonhando com o seu antigo sumo.
O que é que eu tinha na cabeça?
Monologuei com idiotas de toda a espécie
rodopiava na casa de espelhos
inventando formas inéditas de cuspir-me na cara —
a cruz o meu hibernáculo.
O eco prosperou, fez escola
doravante dialecto de afónicos
os declives fecharam a loja
incapazes de vender escapes.
Outrora orgulhosamente bípede
assisti de mãos atadas ao crepúsculo da língua
o homem recua o deserto avança
eis-me aqui no centro do deserto
com o apodo de Odin
senhor da Vastidão
Humildemente, recebo a notícia da minha morte.
Sou culpado, guilhotinei
as palavras portadoras da salvação
ao cerrar os lábios.
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