De lá para cá

roberto gamito
1 min readMay 8, 2018

Nos meus versos antigos chamar-te-ia provavelmente pelo nome. Mas quem sou eu para me impor ao labor da memória que tudo desfigura, ó minhas raspas de estrelas? És, ó vetusta amada, se vista por estas mãos, tão-só, desculpa-me se puderes, uma súmula polpuda de fracassos.
De que me serve agora trazer à superfície pequenos improvisos de começos: “um corpo, possivelmente o teu, em galopante desafio” ou “insistente, o sofrimento fecundou-te as mãos” ou “o teu nome são cascos migratórios actuando sobre a geografia agora revelada, estremecendo rios de sangue que te recebem como uma profecia.”
De lá para cá as coisas mudaram, margens antes familiares e convidativas, tornaram-se inóspitas, pejadas de bichos julgados extintos, os quais procuram cadáveres e bebedouros em qualquer monte de pó.
É caso para perguntarmos se, com o estudo aturado da tua boca, eu não teria já resgatado todos os segredos do universo.
Danças perras, pôr os proventos fora do alcance do homem, num mundo digital, dominando os troços por onde a alegria costuma passar. Andamos a ver se nos safamos, mas sempre sem hipótese de sairmos vitoriosos.
Sou — quanto a ti não sei — um negociante de destroços. Nos melhores dias — raros mas possíveis — desperto os ecos dos gigantes com os meus próprios passos. Tudo o resto é um mundo cheio de catedrais abandonadas.

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Written by roberto gamito

A tensão da narrativa aumentou…e o narrador morreu electrocutado. @robertogamito

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