Das formas carcomidas leva-me a ironia a falar

Das formas carcomidas leva-me a ironia a falar
ó deuses não empatem a minha empresa
ó musas desamparem-me a loja
hoje dou folga às rosas e às aves
mudemos então de mão
busquemos a seta na aljava abandonada
e num vaivém de calores
oscilemos entre a prosa e a poesia
ó admirável mundo e vida vendida como nova!
Acepipe entre as pipas e pepitas
farsa salteada de sorrisos amarelos
a publicidade mobilando o cenário
de novela a que chamamos realidade.
Metáfora? Claro, é o prato do dia.
Nabos engalanados de artistas
gigantes postiços sem ninguém lá dentro
de mim até à minha altura póstuma
o turbilhão de círculos de legitimação
mar jamais vindimado e uma jangada
humilde, feita de penas de águia
fama efémera, holofote crematório
a cárie adentrando na alma, a mentira doce
a morte na sua coreografia de leopardo
convida-nos para uma última dança,
preferia não o fazer, ripostamos,
isso não é resposta, diz-nos, e a luz apaga-se.
Rotina, cálculo em cima de um joelho empoeirado
cacos de vasilhames ontem com vísceras faraónicas
serpente serpenteando aos esses nas províncias da redundância
fardos postos em música, burros à míngua.
Consultada a bibliografia das suas pernas
abordei-a de chofre
sem prefaciar o coração
uma Beatriz outrora só legendas
desceu do pedestal e ingressou no diálogo.
Fiz-lhe uma proposta audaz.
E que tal trocarmos o platónico por plutónico? Está na altura de trocarmos o circo das tangentes por um banquete pantagruélico que nos fizesse explodir de molde a resgatar as partes perdidas de Satíricon de Petrónio. Não sei se arranjo tempo para o amor, retrucou Beatriz, deixa-me consultar a minha agenda. Pronto, entrámos no país das hesitações, declarei amuado. Nos meus braços serias eterna e jamais precisarias de agendas. Não sei se alinho nessa brincadeira da eternidade, finalizou Beatriz, enquanto orlava o vulcão com passinhos de personagem literária. Nada feito, sobra-me o poema.
Tempestade de areia
olhos raiados de sangue
razia na visão, cárcere ambulante
alcancei-te de mãos vazias
sem bússola e sem norte
e foi a magna perdição.
…
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