Caminho de argila

quando as mãos
eram ainda facas em flor
rasgando impiedosamente as noites íngremes
e a cada esquina
um saque de certezas ocorria
dias relacionáveis com horas de voo
interpunham-se ferreamente entre a carne
obscurecida pelos automatismos
e as tempestades as hecatombes as profecias
e a poesia era um caminho de argila redemoinhante
labiríntico de sinalética hieroglífica
esse caminho solitário, como escreveu Celan, até ao Outro
ao radicalmente Outro, prenhe em eclipses e em hesitações
em direcção — quem sabe — ao Inferno, assim assevera a brochura
é uma reconciliação mil vezes adiada entre a coisa e o seu nome.
num instante,
não mais que um instante
nessa “mudança de respiração”
o abismo tão caro a este século
será momentaneamente suprimido.
Um gesto certeiro
nem a mais nem a menos
um gesto quântico.