Cadáver em diminuendo

1
versátil verticalidade
humanidade, queda
inteligência, inferno
o reencontro com o pó
o delírio engaiolado em verso
dor anfíbia e nómada
ziguezagueando
entre a terra e as lágrimas
língua enguiçada, o grito a superá-la
família elíptica, nomes soterrados
a roleta russa da poesia
dança de desmemoriados
presas passadas a limpo
criaturas dotadas para a solidão
apetrechadas de açaimes e garrotes
danada alcateia de mandíbulas
homem ou mantícora
homem, leão e escorpião
cada palavra um aguilhão
cada corpo um rugido
cada homem uma versão
do mesmo cadáver em diminuendo.
2
o mofo no suspiro
área devoluta, Hades de serviço
eu, a capital do Inferno
memória, mumificação à la Penélope
vate petrificado diante da cólera de Ulisses
a ruminação dos perfumes
a usual pantera no gancho
o artista da fome monetizando a ruína
indícios congeminando a besta
numa sarabanda báquica
lâmina e corvo agouram à vez
elenco embrutecido, ventríloquo nos bastidores
a paixão, filão de todos os começos, vandalizada
o ego contribuindo chorudamente para o anacronismo
conhecimento, timoneiro afónico
deste barco em vias de naufragar.
do lado de fora deste poema
o filósofo retribui a pergunta
com uma bala humana, perdida.
3
ego antropófago, mártires da glutonaria
a música irá atormentá-lo, labirintá-lo
hábil que é a esvaziar os bolsos da alma
no coração, os habitantes são escassos e selvagens
na cabeça, uma casa de espelhos em polvorosa
Ele ou Eu nunca seremos nada, nunca poderemos ser nada
a parte imortal do poema foi vendida
regatearam-se cadáveres como quem regateia tecidos
costume depauperante de empilhar corpos como se fossem peúgas
uma morte tão fautososamente ornamentada
castelo na assimptota
agrimensores em transe
sem saber onde começa
ou acaba um suspiro.
a terra que nunca foi sua
o amor e restante família
de palavras pequenas e ingovernáveis
nunca se enraizou nos seus pensamentos.