Cântico soterrado
A visão contradizendo o que a memória sustenta
lá onde o verbo perdeu a batalha, cristalizando-se.
Beijar-te é trazer à tona o cântico soterrado.
Sitibundas, as mãos vagabundeiam pelo teu corpo inconsútil
tentando ecoar os versos abandonados, afónicos, aqueles
que o fracasso enrodilhou, menosprezou, incendiou.
Demasiado tempo consumido
a tentar marcar fundo os meus passos
nas areias movediças
o caminho foi engolido
sinistramente
num repente lúdico
duranto o qual o destino se agigantou.
Pernoitas no âmago
dos meus silêncios
em ebulição.
O suspiro: essa fronteira ténue entre o que é e o que foi
e o que poderia ter sido.
Nos bastidores desse cenário de catástrofe
sou Zeus que, munificente, se desdobra até os ossos
em metamorfoses
para fecundar todos os grãos de areia do deserto.
És o equilíbrio precário
aquilo que propicia a queda
em direcção à folha.
Minha bênção, minha maldição.