A chuvas as luzes as ruas
A chuva agiganta as luzes, que, magníficas, se apossam de tudo como heras embriagadas, atreladas a rodas
que antes dela eram tímidas, pontuais e não oblíquas
rasgando o marasmo das vias de sinalética hieroglífica
nas quais a noite se precipita segundo fórmulas que nos fogem.
Um vidro separa sem aparato o conforto do dilúvio,
gotas que simulam nele uma corrida experimentam aos bochechos as trajectórias possíveis da queda, a cinemática do desassossego
como se ensaiassem o nosso destino.
Ao lado, a poucos metros, no passeio intransitável
com umas galochas até às orelhas, redondo de tanta roupa
vestígios de uma humanidade apressada
uma mão no guarda-chuva, outra no telemóvel
infelizmente nenhuma lhe sobra a fim de sentir a chuva.
Um dia hei-de fechar os olhos
com um quase impermeável como farda
perceber o que esconde a sinfonia dos pingos
numa tarde lá para os lados de uma noite melancólica.
De pé, onde, entre relâmpagos, costumavas sorrir-me.